sexta-feira, março 30, 2018

Um poeta, certa vez, sem brilho - em sua embriaguez, verteu mil versos verídicos, trovou todos os cânticos, e acenou ao ver a poesia o abandonar. A crueza factual ali reinava, nela parcimônia não se via posto que no agora persistia Estendeu-se no futuro a desandar. Quis de novo seu lirismo, desafinou versos sem rima, Quando viu tenso a figura e a ouviu clamar sincera por seus olhos que em espera convergiam àquele ser. Estrábico em sua concentração, também surdo - pouparia audição, ouviu o som daquela voz Que ressoou em sua vida num estupor de girassóis de sua dor a despedida Sobrevivente refletindo ao sol, Tal viés orgânico de luz, Bem se viu ali se expôs, A todo encanto vivo em prol.

O verter alcoólico

Trôpego nas andanças,
emulsificado em destilados,
eis que um lívido sopro literal
atravessou o real no meu mundo.

A despedida de um amor


Debrucei-me ao corpo ainda vivo,
velando sua branca pele ainda em flor,
foi com você que sempre quis dar-me ao amor,
mas já não eras, abstraías num róseo vapor...

Ditos de um amigo

Meu companheiro,
passeando noutros ares,
volto a ti meu pensar,
e vislumbro a particular incidência
que enseja a apreciação dialética de nossas visões.

Na memória,
arquivos corrompidos de puro saber,
fragmentos imersos em subjetividade,
foram, pela musicalidade,
sabiamente representados.

Nìveis exorbitantes de prazer
multifrequencial,
momentos de evidente excitação
tímpano-sensorial,
ébrios toques em meio ao caos
eis que se erigiu o reino de fantasia e quimeras,
Pigarro Seco.

terça-feira, agosto 13, 2013

Amores abissais

Um neurótico e falador de estranhas línguas, Em deslizes no obscuro asfalto, Sussurava. E era pra si que dizia, Que o mundo negado calava, Um palácio mental se erigia. Seus olhos aos gritos! Em vertigens desgovernantes, Bruxulearam ávidos! À luz de realidades sinestésicas. Calaram-se todas as bocas. Teus olhos nomearam-me. Delicioso o chão cedeu e fiz-me planta enraizada à profundeza cósmica de tua evanescência. As retinas... Cheias da mais pura fantasia. O absurdo... Impregnado à realidade. Que é surrealizável! Intransponível pela consciência.... E deste solo de apavorantes terremotos, Vejo o vôo pacífico de seres libertinos Decerto criações que orbitam o teu ser...

Vômito poético

A mente, em suas elocubrações
decola do real ruma ao simbólico
logo vê qual reino estóico
A universalidade, e suas reificações.

Frente a tal pluralidade
Em desconserto o indivisível se partiu
E a razão ainda em sua mocidade
Se foi levando a humanidade

Eles vêm trovando em meus versos
mentiras escondem seus fins
agora os clarões da razão tão escassos
só vertem presságios ruins.

E de novo aquela confusão cínica
nos sobrevêm sem igual, tão lírica,
E nos desvela em florescer atrofiado
Irradiando sobre nós o pecado.

Que ruas tão selvas!
Lixeiras, perigos, janelas!
Sobrevieram delírios solares
Da lua amarulada saudosos olhares
doces e febris entorpecendo-me a visão.

Assim permaneço refém da realidade
insolita e renitentemente vilipendiado
Sem medo trago as naus da liberdade
Pois na terra de Deus, fiz-me diabo.

E não há alma,
Senão a duras penas...

quarta-feira, outubro 19, 2011

Indelével

Uivantes como os ventos nórdicos,
Estribilhos de uma fria insensatez nos abordaram,
que hoje nos alpendres debruçado em nostalgia
deito junto à fantasia de teu sobrevir...

Promovo devaneios,
atentando tua presença
abandono, aos poucos,
essa real intolerância,
e para o além-morte
teu ser flutua mórbido
alvo de meu parasitário pensar...

Hoje a salvo em terras outras
me permito o sentir absorto
não mais penso em ter-te à tudo
E em meu mundo resguardo
o impuro de nossos momentos
Arrepios, desajeitos, prazer,
Esbarrões, confusões, quê fazer...?

quinta-feira, maio 14, 2009

Oceano

Sobrevoando os territórios humanos
Avisto da arte os sublimes quintais
que para além deles não há mais
Senão obviedade e confusão.

Solfejos de síncopes chocantes,
Solandando bebo todas as fontes
Enquanto bailas nos alpendres do castelo
Com teu cetro que é pincel de todas as cores!

Fêz-se então, tênue beleza,
e vi destreza em teu olhar,
qual pretensiosa virgem lunar,
que em meu pensar baila e viceja;

Quem me dera sobrevoar-te
agitado oceano de mil cores
mergulhar tuas correntes
náufrago de teus amores abissais

quarta-feira, dezembro 17, 2008

Biópsia

De terras secas meu passado
sucumbiu ao vento
e um mar poeirento
enevoou o meu pensar

Numa elipse lancinante
o teu corpo convergia
ao deleite de meus olhos
E num minuto sucumbia
Nilo fluido de energias corporais

Abduzido me fiz obtuso
e regido por perpétua mania
era um corpo em ato anímico puro,
sem esguelhas hormonais...

Agora sinto teus úmidos olhares
Assolando minha confusão cínica
Do ter-te em mim sem medos.

quinta-feira, julho 31, 2008

O segundo passo

Bastou pouco observar para ver que diluía-se num torpor febril aquela dama decorosa e benfazeja tão logo o olhar de um cavalheiro se lhe voltasse a atenção. Àquele não resistiu:

- Por que não dança?

Como estátuas gregas se olhavam eternizados. E, diante daquele desfiladeiro, sua feminilidade só pensava nas vertigens prazerosas de um salto ornamental. Terminaria naqueles braços.

- Quem me dera tal experiência. É certo, porém, que meu corpo inclinar-se-ia, tão logo se pusesse junto ao teu, à libertinagem mais desprovida de escrúpulos. Não inconvenhamos.

Aquelas palavras a entraram lentas nos ouvidos e todas suas glândulas ouviram displicentemente. Seu sangue agora transportava algo novo e suas células exultaram. Seus olhos eram tão úmidos e quentes. De longe o cavalheiro todo se aqueceu.

A mulher que estava com ele voltou. Com destreza a primeira dama afastou-se em compassos bailarinos como fazem as borboletas em seus ensaios aéreos. Afastou-se do néctar e em nenhum momento a resignação suplantou a excitação ainda latejante.

- Senta aqui nessa cadeira amor, hoje minhas pernas estão me matando.

Tirava de si aquele estorvo regido pelo único mote de sua percepção. Via agora aqueles cabelos pretos que, dali, eram as cortinas ainda cerradas de seu mais esperado espetáculo. Fechou então os olhos, e sua perspectiva, agora só expectativa, o deprimiu profundamente.
Disse à outra - sem olhá-la - que voltaria logo, levantou-se e, antes do segundo passo, suspirou alto como quem precisa ouvir os próprios ruídos orgânicos para sentir-se vivo novamente.

Foi até o banheiro. e em poucos minutos sentia-se ensandecido, mas sóbrio, confuso e sagaz ao mesmo tempo. Uma vez transferidos da carteira para suas mucosas alguns gramas bastaram. Já tinha terminado quando, pelo canto do olho, pensou ter visto alguém à espreita de sua atividade. Virou num sobressalto e viu-se no espelho. Olhou aqueles olhos - espantados com a própria capacidade - e duvidou que eles pudessem ser melhores.

Logo, o primeiro ato começou. Ao sair, antes que desce o segundo passo uma mão o segurou. O ímpeto com que vinha decerto deslocou seu interceptor, não o suficiente, contudo, para pô-lo à luz. Permaneceu observando a escuridão membrada que vinha lhe agarrar de modo firme e suplicante. Eram mãos finas, mas fortes, e a perícia daquelas unhas vermelhas, tão grandes e inofensivas, denunciava uma astúcia desejosa e conseqüente.

Mergulhou naquela penumbra de delícias obscuras, qual pulo vertical sobre a sensualidade. Um náufrago apocalíptico de amores abissais.

Porquanto a escuridão o tomara de todo nada mais pôde ver claramente. Era, então, sensações. E estas perduraram, insistiram, resfolegaram, acenderam e apagaram inúmeras vezes no esplendor daqueles minutos.

Pairou então absorto, perplexo, entreabertos os lábios pulsavam estimulados, os pulmões no limite, transpirando calado, viu se afastar a musa de todas as suas pretensões carnais.

Aquilo havia sido forte demais para ele. Superlativo em sua sensibilidade e golpeado ainda por intensos regozijos fluidos e secreções alucinantes, decidiu e aproximou-se do balcão. Tomaria um bloody mary. O fez em dois goles. Ali sentado já parecia tranqüilo, era mesmo um ator!, a sua consciência reivindicava seu posto - ele a interrompeu com aquele longo e rubro copo.

Afinal da experiência que vivera sua vaidade jamais permitiu que extraísse maior proveito. Na verdade o que ele queria mesmo era voltar àquele espelho e contemplar o proprietário daquela existência tão arrogante quanto voluptuosa. Cambaleando ele sorria onipotente e seu trejeito faceiro era mesmo daqueles boêmios malandros do samba quente das esquinas centrais.

¨... restaram da essência,

indiferença,

e dor!¨

O fim da canção que ali tocava lhe pisou os tacos soltos da alma...

segunda-feira, julho 28, 2008

Alma de rua

...debruçou em seus pensamentos votos de quem não crê mais no que já era uma dúvida e perturbava sua estabilidade emocional. Antes do falar qualquer coisa agora pensava no que queria para si, e travava luta a cada frase dita errada, e o que pensava então não mais vinha no falar, e o melhor sempre era calar-se.

Despediu-se como quem não sabe por que não disse adeus – permitiu-se um ¨até logo¨, entretanto temia como a morte os momentos do próximo encontro. Em sua rotina de causalidade mórbida e reincidências coincidentes tudo agora é motivado, sombrio e inacreditável.
Andava agora pelas ruas que jamais pensou voltar,e a cada passo novos sonhos tornavam-se mentiras, e a cada memória revivida dos carinhos sofridos novos planos de não fazer planos aportavam seu pobre intelecto vaidoso.

¨De agora em diante só serei o que sou para mim mesmo¨, pensava porquanto atravessava os olhos da gente normal, da gente que ama e odeia como quem sente nada. O pensar que conhece os outros mais uma vez acompanha a errante personagem que sempre sai às ruas deixando-o sempre aprisionado no que era quando se via abraçado pela solidão.

Nesse momento já havia parado, pensou - não teria hoje que cumprir horários- , poderia desfigurar sua rotina sem sentido. Riu de sua ilusão isolada, e aquela sensação de erro não mais doía como outrora. Ouvia o som, o timbre que um violão exalava quase ali a sua frente, e só então sentiu que via a felicidade mesmo de olhos fechados, sem esforço. Brilhou-lhe a mente por um segundo. Achou que ela talvez devesse chegar um pouco atrasada, continuou seu copo, apenas pensando em como pode o mundo ser assim, tão mundano. Viu que o nove era a casa do ponteiro dourado do relógio, seu cigarro à metade. Ousou agradecer em pensamento a atmosfera que aos poucos ali tragava.

Tinha claro o seu propósito - mudar seu rumo por motivo algum - quando viu desentendimento que partiria-lhe o coração acompanhar de um amigo, todavia sequer seu semblante alterou. Porquanto ouvia agressões, acenava para que o garçom trouxesse mais um daqueles copos preenchidos por momentos de reorganização mental. Uma espécie de paz tomou suas mãos que se abaixaram num movimento contínuo, ao seu redor pessoas confusas não mais o perturbavam. Aprisionado em sua áurea deteve-se até que não mais pôde suportar, ergueu-se num sobressalto, e saiu como um vento pela porta. Logo se pôs a caminhar sem conhecer sentido para a volta.

Contudo, algo havia sido deixado para trás que, desesquecido em sua volátil significância, agora passa a perturbar-lhe a alma tornando o espírito de alva brancura de outrora um pútrido corpo de lodosa existência. Era sim, era a sua única chance que ali abandonara. Aqueles acordes já estavam distantes quando se deu conta, havia se esquecido no meio daquela confusão.

¨Ó carne minha! Desgastada e fiel! Não desespera que volto ligeiro pra ti!¨

Já estava começando a gostar daquilo, era estranho, e o pitoresco recorrentemente o fascinava. A promessa que fizera há pouco ao seu corpo parecia desgastar-se com o tempo que, para ele, fez-se absoluto. Por um curioso e amplo espectro agora podia observar tudo que havia feito durante sua obviedade temporo-espacial, sua vida de tanto dormir e tanto acordar.

Refletiu...

Seria mesmo o sono uma morte interina? Como um pacto eterno com a inorganicidade, a vida floresce rítmica, e seu compasso é tão lívido quanto lento. E se quisermos viver desligados? E se eu quiser só olhar agora?

Austero, de imponência quase amedrontadora, aquele espírito enfastiado pela instância reflexiva estendeu suas meditações até os mais elevados pensamentos. Até que um espasmo metamórfico o atingiu fazendo-o bruxulear de existências convergentes e indescritíveis. Enquanto isso, esbaforidos, alguns pegavam a carcaça rejeitada e corriam à procura de homens que reavivassem aquele entulho humano e mórbido.

Já estava decidido, não voltaria, não havia por que.

¨Aquilo estava em frangalhos!¨, desdenhou.

Uma vez livre daquela resolução física, fez-se abstração pura e viu tão logo que sentia-se leve, caminhava, em pirraça fanfarrona, o chão não podia sentir, nem mais nada, e aquele branco sensual o pôs bestificado.

¨Espírito é não-corpo!¨ , exclamou.

Costumava gritar para si aquilo que lhe custava a entrar na cabeça, e mesmo ignorante da verdade, punha-se elegante na mais fina postura de um sujeito honestamente sábio. Impressionava agora ver de fora toda aquela ganância, toda a fartura com a qual o homem congestiona o próprio ser.

Negou tal gesto de mesquinhez, e contemplou – pícaro e quixotesco – o alvorecer de sua verdadeira empreitada existencial. Existencial? Será mesmo? Mas que será de suas escolhas, se não mais tens aqueles vigorosos guias hormonais? Decisões? Para quê, se o que tens são proto-sentimentos?

Agora salta aos olhos o que o cosmos oculta em sua materialidade maquinal realista. A essência, o insumo das verdades existenciais, o pensado e não-dito, o desejo que, oculto, emana oblíquo, o humano ainda não lapidado, antes sobejo da concretude, agora ente que resplandece as dimensões em sua desordem caótica.

Sim, vilipendiando o mundo dos vivos como um desordeiro, um pregador de peças em necrose arrebatado, ele sim se fez palhaço, das perdidas ilusões, de um circo sem futuro...